Você já passou por alguma situação em que precisou adquirir mais de um produto para ter apenas aquele de que realmente precisava?
Promover a venda de aparelhos sem o instrumento (dispositivo) de carregamento seria como vender um veículo sem tanque de combustível?
Imagine adquirir um veículo e durante a entrega ser surpreendido com a proposta de venda separada do tanque de combustível. Pois bem, situação semelhante vem acontecendo com o consumidor brasileiro quando busca adquirir os últimos lançamentos de aparelhos celulares de grandes marcas.
Em 2020, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) completou seus 30 anos de existência. Considerada uma das legislações mais avançadas do mundo em se tratando de relações consumeristas, a Lei nº 8.078/90, que instituiu o CDC, estabelece princípios básicos, como proteção da vida da saúde, da segurança e da educação relacionados ao consumo.
Entre os princípios do código estão o de resguardar o consumidor contra a publicidade enganosa e abusiva, apresentar as informações gerais dos produtos de consumo, além da proteção à saúde e à segurança, proteção contratual, qualidade e eficiência dos serviços públicos e até de direcionamento e educação ao consumidor sobre práticas adequadas de consumo.
Ainda, o código foi implantado com o objetivo de garantir a boa-fé nas relações de consumo e na proteção ao consumidor; porém, sozinho, não tem a capacidade e a eficácia necessárias para alcançar todas as garantias consumeristas.
Uma das garantias que o código estabelece é a do artigo 39, I, o qual dispõe que é "é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I — condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos".
Nessas situações vedadas pelo código, denominadas "venda casada", o fornecedor nega-se a fornecer o produto ou serviço, a não ser que o consumidor concorde em adquirir também um outro produto ou serviço.
São inúmeras as situações cotidianas, como por exemplo: venda de seguro de vida com cartão de crédito, consumo mínimo em bares e restaurantes, alguns combos de tevê e internet, entre outros.
A respeito do assunto, o Superior Tribunal de Justiça já entendeu que se trata do condicionamento da aquisição de um produto ou serviço (principal tying) a concomitante aquisição de outro (secundário tied), quando o propósito do consumidor é unicamente o de obter o produto ou serviço principal.
Grandes empresas vêm causando enorme polêmica em todo o mundo graças à questionável decisão de remover o carregador e outros acessórios das caixas de seus aparelhos, com a alegação de ser uma medida de responsabilidade socioambiental, "em prol do meio ambiente".
Fabricantes como Samsung e Apple estão sendo alvo de inúmeras reclamações e demandas judiciais a fim de fornecerem gratuitamente o carregador aos consumidores.
A Fundação Procon-SP e a Samsung já assinaram um termo de compromisso voluntário para que seja disponibilizado, sem custo, um carregador ao consumidor que adquirir o celular e solicitar o acessório, durante a pré-venda, para qualquer um dos modelos de smartphones da linha Galaxy S21.
A Apple, por sua vez, ainda não firmou tal compromisso. Porém, está sendo obrigada em diversas demandas judiciais a fornecer o produto. Além disso, em março, o Procon de São Paulo multou a empresa em R$ 10 milhões por vender iPhones sem carregadores.
Fato é que a venda casada é uma prática comum, apesar de ilegal e lesiva ao consumidor; afinal, limita sua liberdade de escolha.
O consumidor que se sentir lesado deve procurar os órgãos de defesa e, se necessário, acionar a Justiça para que veja seus direitos garantidos. Assim, ajuda a fortalecer o sistema de defesa e pressiona as empresas a prestarem serviços mais dignos à população.
Fonte: Conjur